A Febre
Reumática (FR) é uma complicação autoimune de uma infecção da orofaringe por Streptococus β hemolítico do grupo A.
Sendo mais frequente em crianças e adultos jovens. É um sério problema de saúde
em todo mundo, porém devido a melhoria das condições socioeconômicas, culturais
e o uso de antibióticos sua prevalência tem diminuído, sendo a manifestação
mais temida a cardite.
O
diagnóstico da febre reumática é clínico, não existindo sinal patognomônico ou
exame específico. Os exames laboratoriais, apesar de inespecíficos, sustentam o
diagnóstico do processo inflamatório e da infecção estreptocócica. Os critérios
de Jones, estabelecidos em 1944, tiveram a sua última modificação em 1992 e
continuam sendo considerados o “padrão ouro” para o diagnóstico do primeiro
surto da FR. A divisão dos critérios em maiores e menores é baseada na
especificidade e não na frequência da manifestação.
A
probabilidade de FR é alta quando há evidência de infecção estreptocócica
anterior, determinada pela elevação dos títulos da antiestreptolisina O (ASLO),
atentando para os casos subclínicos, além da presença de pelo menos dois
critérios maiores ou um critério maior e dois menores. Com as sucessivas
modificações, os critérios melhoraram em especificidade e perderam em
sensibilidade devido à obrigatoriedade de comprovação da infecção
estreptocócica.
Os
critérios de Jones modificados pela American Heart Association (AHA) em 1992
devem ser utilizados para o diagnóstico do primeiro surto da doença, enquanto
os critérios de Jones revistos pela OMS e publicados em 2004 destinam- se
também ao diagnóstico das recorrências da FR em pacientes com cardiopatia
reumática crônica (CRC) estabelecida. Uma vez que outros diagnósticos sejam
excluídos, a coreia, a cardite indolente e as recorrências são três exceções em
que os critérios de Jones não têm que ser rigorosamente respeitados.
Critérios Maiores:
- Artrite
A artrite é
a manifestação mais comum da FR, presente em 75% dos casos, com evolução
autolimitada e sem sequelas. Nos casos de associação com cardite, tem sido
descrita correlação inversa entre a gravidade das duas manifestações. A artrite
típica da FR evolui de forma assimétrica e migratória. A artrite é, em geral, muito dolorosa, apesar
de não mostrar sinais inflamatórios intensos ao exame físico. A resposta aos
anti-inflamatórios não hormonais é rápida e frequentemente a dor desaparece em
24 horas, enquanto os outros sinais inflamatórios cessam de dois a três dias.
Embora o
padrão típico seja observado em cerca de 80% dos casos, existem apresentações
atípicas que requerem outras considerações no diagnóstico diferencial, as quais
incluem artrite aditiva (envolvimento progressivo e simultâneo de varias
articulações, sem cessar a inflamação nas anteriores), monoartrite e
acometimento de pequenas articulações e da coluna vertebral.
- Cardite
A cardite é
a manifestação mais grave da FR, pois é a única que pode deixar sequelas e
acarretar óbito. A manifestação ocorre entre 40%-70% dos primeiros surtos,
embora séries mais recentes, em que a ecocardiografia foi utilizada para
avaliação, demonstrem prevalências mais elevadas. A cardite tende a aparecer em
fase precoce e, mais frequentemente, é diagnosticada nas três primeiras semanas
da fase aguda. O acometimento cardíaco é caracterizado pela pancardite,
entretanto são as lesões valvares as responsáveis pelo quadro clínico e pelo
prognóstico. O acometimento pericárdico não é comum, não ocorre isoladamente e
não resulta em constrição. Já a insuficiência cardíaca é causada pela lesão
valvar e não pelo acometimento miocárdico.
O
acometimento do endocárdio constitui a marca diagnóstica da cardite, envolvendo
com maior frequência as valvas mitral e aórtica. Na fase aguda, a lesão mais
frequente é a regurgitação mitral, seguida pela regurgitação aórtica. Por outro
lado, as estenoses valvares ocorrem mais tardiamente, na fase crônica.
A ausência de sopro não afasta a possibilidade
de comprometimento cardíaco. Cardites discretas não acompanhadas de outros
sintomas da doença podem passar despercebidas, e a lesão valvar pode somente
ser evidenciada em exames médicos de rotina ou por ocasião de surtos
subsequentes. Atentando para os casos de cardite subclínica.
- Coreia de Sydenham
A coreia de
Sydenham (CS) ocorre predominantemente em crianças e adolescentes do sexo
feminino, sendo rara após os 20 anos de idade. Sua prevalência varia de 5%-36%
em diferentes relatos, com início insidioso caracterizado, geralmente, por
labilidade emocional e fraqueza muscular que dificultam o diagnóstico.
Nos casos
em que a coreia é a única manifestação da FR ou é acompanhada somente por
artrite, deve ser solicitado, se possível, o anticorpo antinúcleo para
descartar a possibilidade de lúpus eritematoso sistêmico. Anticorpos
anticardiolipina têm sido descritos em pacientes com CS.
- Eritema marginatum
Constitui
manifestação rara, sendo descrita em menos de 3% dos pacientes. Caracteriza-se
por eritema com bordas nítidas, centro claro, contornos arredondados ou
irregulares, sendo de difícil detecção nas pessoas de pele escura. As lesões
são múltiplas, indolores, não pruriginosas, podendo haver fusão, resultando em
aspecto serpiginoso. As lesões se localizam principalmente no tronco, abdome e
face interna de membros superiores e inferiores, poupando a face; são fugazes,
podendo durar minutos ou horas, e mudam frequentemente de forma. Ocorrem
geralmente no início da doença, porém podem persistir ou recorrer durante
meses. Essa manifestação está associada à cardite, porém não necessariamente à
cardite grave
- Nódulos subcutâneos
Os nódulos
subcutâneos são raros, presentes apenas em 2%-5% dos pacientes, e estão fortemente
associados à presença de cardite grave. São múltiplos, arredondados, de
tamanhos variados (0,5-2 cm), firmes, móveis, indolores e recobertos por pele
normal, sem características inflamatórias. Localizam-se sobre proeminências e
tendões extensores, sendo mais facilmente percebidos pela palpação do que pela
inspeção. Ocorrem preferencialmente em cotovelos, punhos, joelhos, tornozelos,
região occipital, tendão de Aquiles e coluna vertebral. O aparecimento é tardio
(uma a duas semanas após as outras manifestações), regride rapidamente com o
início do tratamento da cardite e raramente persiste por mais de um mês.
Critérios
Menores
Os sinais menores abrangem características
clínicas e laboratoriais inespecíficas que, em conjunto com as manifestações maiores
e com a evidência de estreptococcia prévia, ajudam a estabelecer o diagnóstico
de FR.
- Artralgia
A artralgia
isolada afeta as grandes articulações e se caracteriza pela ausência de
incapacidade funcional, cuja presença distingue a artrite. A presença de
artralgia com padrão poliarticular migratório e assimétrico envolvendo grandes
articulações é altamente sugestiva de febre reumática e frequentemente é
associada à cardite. A presença de artrite como critério maior não permite a
inclusão da artralgia como critério menor.
- Febre
A febre é
frequente no início do surto agudo e ocorre em quase todos os surtos de
artrite. Não tem um padrão característico. Em geral, cede espontaneamente em
poucos dias e responde rapidamente aos anti-inflamatórios não hormonais.
Pacientes com cardite não associada à artrite podem cursar com febre baixa,
enquanto os que se apresentam com coreia pura são afebris.
- Intervalo PR
O intervalo
PR pode estar aumentado em pacientes com febre reumática, mesmo na ausência de
cardite, assim como em indivíduos normais. O eletrocardiograma deve ser
solicitado em todos os pacientes com suspeita de FR e repetido para registrar o
retorno à normalidade. Na criança, considera-se o intervalo PR aumentado quando
apresenta valores acima de 0,18 s e, nos adolescentes e adultos, acima de 0,20
s.
- Reagentes de fase aguda
As provas
de atividade inflamatória ou reagentes de fase aguda não são específicas da FR,
porém auxiliam no monitoramento da presença de processo inflamatório (fase
aguda) e da sua remissão.
A
velocidade de hemossedimentação (VHS) se eleva nas primeiras semanas de doença.
Ressalte-se que, na presença de anemia, a VHS pode estar superestimada, bem
como subestimada, nos pacientes com insuficiência cardíaca.
A proteína
C reativa (PCR) se eleva no início da fase aguda e seus valores diminuem no
final da segunda ou da terceira semana. Sempre que possível deve ser titulada,
sendo mais fidedigna que a VHS.
A
alfa-1-glicoproteína ácida apresenta títulos elevados na fase aguda da doença,
mantendo-se elevada por tempo mais prolongado. Deve ser utilizada para
monitorar a atividade da FR.
Na
eletroforese de proteína, a alfa-2-globulina se eleva precocemente na fase
aguda e pode ser utilizada também para o seguimento da atividade da doença.
É importante
ressaltar que qualquer combinação das provas laboratoriais de fase aguda deve
ser considerada como apenas uma manifestação menor da FR.
FONTE:
Adaptado
das Diretrizes Brasileiras para o Diagnóstico, Tratamento e Prevenção da Febre
Reumática (2009)
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