Agente
etiológico
Vírus do gênero Hantavirus, da família
Bunyaviridae, sendo o único bunyavírus que não é um arbovírus. Nas Américas,
existem duas linhagens de hantanvírus: uma patogênica, que está associada à
ocorrência de casos de SCPH, pois foram identificadas em roedores e em pacientes,
e outra que, até o momento, só foi detectada em roedores silvestres, ainda sem evidências
de causar a doença em seres humanos. Atualmente, são conhecidas 16 variantes de
hantavírus associados à transmissão da SCPH nas Américas. Dentre eles, estão
descritos os vírus Sin Nombre (Estados Unidos), Choclo (Panamá) e Andes
(Argentina e Chile). No Brasil, foram identificadas sete variantes, sendo cinco
associadas com a SCPH (Araraquara, Juquitiba, Castelo dos Sonhos, Anajatuba e
Laguna Negra) e duas (Rio Mearim e Rio Mamoré), até o momento, só foram detectadas
em roedores. Esses vírus possuem envelope de dupla capa de lipídios, sendo,
portanto, suscetíveis a muitos desinfetantes, como os formulados com base em
compostos fenólicos, solução de hipoclorito de sódio a 2,5%, lisofórmio,
detergentes e álcool etílico a 70%. Sua sobrevida, depois de eliminado no meio
ambiente, ainda não é totalmente conhecida. Pressupõe-se que, em ambiente sob a
ação da luz solar, o vírus sobreviva por até seis horas; já em ambientes
fechados e que não recebem luz do sol e ação de ventos, o vírus pode permanecer
ativo no ambiente por até três dias.
Reservatórios
Roedores silvestres são os prováveis
reservatórios de hantavírus. Cada tipo de vírus parece ter tropismo por uma
determinada espécie de roedor e somente a ela. Possivelmente, os hantavírus
evoluíram com os respectivos hospedeiros reservatórios, o que determinou essa
espécie-especificidade. Os hantavírus conhecidos no Hemisfério Sul têm como
reservatórios roedores da subfamília Sigmodontinae, enquanto que, no Hemisfério
Norte, as subfamílias Sigmodontinae e a Arvicolinae são as envolvidas na
transmissão desses agentes.
Patogenia
Os mecanismos patogenéticos das infecções
pelo hantavírus que levam à FHSR ou SCPH parecem originar de exagerada resposta
imune a esses microrganismos. Estes, não parecem levar à destruição das células
que infectam e, por si só, não induzem ao aumento da permeabilidade vascular. A
gravidade da doença aumenta após o surgimento da resposta imune. O quadro
clínico e anátomo-patológico sugerem a ocorrência de distúrbio funcional na permeabilidade
capilar pulmonar ou renal, reversível após o tratamento clínico adequado. No
caso da SCPH, estudos imuno-histoquímicos em tecido pulmonar mostram a extensa
distribuição de antígenos virais em células endoteliais, sem evidências de
necrose celular. Os antígenos virais também encontram-se presentes em outros
órgãos, tais como, coração e tecido linfóide. Nos pulmões, há infiltração
considerável de linfócitos TCD8, que também encontram-se presentes no sangue
periférico, sob a forma de linfócitos atípicos. Essas células, depois de
ativadas, são capazes de produzir citocinas que atuarão diretamente sobre o endotélio
vascular ou estimular macrófagos locais a produzirem mais citocinas como, o
fator de necrose tumoral, a interleucina 1, o interferon gama, o fator ativador
de plaquetas e os leucotrienos; essas substâncias, ao aumentarem a
permeabilidade vascular, levam a maciça transudação de líquidos para o espaço alveolar,
desencadeando edema pulmonar e insuficiência respiratória aguda. Os anticorpos,
particularmente os da classe IgM, surgem rapidamente no curso da infecção e
facilitam o diagnóstico em fase precoce da doença1. Com o clareamento viral, a
ativação do sistema imune desaparece e as células endoteliais recuperam a sua
integridade funcional. Na enfermidade causada pelo vírus Andes, os estudos imuno-histoquimicos
aplicados ao tecido pulmonar, têm demonstrado a distribuição antigênica mais
extensa, o que pode explicar a maior transmissão respiratória inter-humana
desse patógeno. As doenças causadas pelos hantavírus freqüentemente cursam com
trombocitopenia (mais de 80% dos casos). A sua patogênese parece deber-se ao
fato de esses vírus possuírem a capacidade de aderir às plaquetas sanguíneas,
através de receptores de integrina (B3), desencadeando sua retirada da
circulação.
Fase
Prodrômica ou Inespecífica
Observa-se febre, mialgia, dor dorso-lombar,
dor abdominal, cefaleia intensa e sintomas gastrointestinais como náuseas,
vômitos e diarreia. Esse quadro inespecífico dura cerca de um a seis dias,
podendo se prolongar por até 15 dias e regredir. Quando surge tosse seca, ao final
da primeira fase, tem-se que suspeitar da possibilidade de ser o início de uma
forma clínica mais severa, a síndrome cardiopulmonar por hantavírus. Os achados
laboratoriais mais comuns nessa fase são linfócitos atípicos >10%,
plaquetopenia (<150 .000="" 20.000="" at="" citos="" com="" desvio="" esquerda="" hemoconcentra="" leuc="" normais="" o="" ou="">45%), raio X normal ou com infiltrados difusos,
uni ou bilaterais. 150>
Fase
Cardiopulmonar
É caracterizada pelo início da tosse seca,
acompanhada por taquicardia, taquidispneia e hipoxemia. Essas manifestações
podem ser seguidas por rápida evolução para edema pulmonar não cardiogênico,
hipotensão arterial e colapso circulatório. A radiografia do tórax
habitualmente demonstra infiltrado intersticial difuso bilateral, que
rapidamente evolui com enchimento alveolar, especialmente nos hilos e nas bases
pulmonares. Derrame pleural, principalmente bilateral, de pequena magnitude, é comum.
A área cardíaca é normal. O comprometimento renal pode surgir, mas em geral é leve
a moderado, embora possa evoluir para insuficiência renal. A taxa de letalidade
é elevada, em torno de 40%. O óbito ocorre, mais comumente, entre quatro a seis
dias após o início dos sintomas. Nessa fase, os achados laboratoriais e
radiológicos encontrados são: leucocitose, neutrofilia com desvio à esquerda,
com formas jovens; linfopenia; hemoconcentração; plaquetopenia; redução da
atividade protrombínica e aumento no tempo parcial de tromboplastina, fibrinogênio
normal, elevação nos níveis séricos de TGO, TGP e DHL, hipoproteinúria, albuminemia,
proteinúria; hipoxemia arterial; raio X com infiltrado pulmonar bilateral, podendo
ocorrer derrame pleural, uni ou bilateral.
Doença
por hantavírus em Crianças
Sinais e Sintomas
Início abrupto com febre elevada (de 38°C a
40°C), mialgias, principalmente nas extremidades, e dor abdominal, acompanhada,
ou não, de cefaleia, náuseas e vômitos.
Achados Laboratoriais
Dos 101 casos registrados na faixa etária de
um a 19 anos, o achado laboratorial mais importante, registrado em 50% dos
casos, foi hematócrito >45%.
Formas
de transmissão
A infecção humana ocorre mais frequentemente
pela inalação de aerossóis, formados a partir da urina, fezes e saliva de
roedores infectados. Outras formas de transmissão, para a espécie humana, foram
também descritas:
• percutânea, por meio de escoriações
cutâneas ou mordedura de roedores;
• contato do vírus com mucosa (conjuntival,
da boca ou do nariz), por meio de mãos contaminadas com excretas de roedores;
• transmissão pessoa a pessoa, relatada, de
forma esporádica, na Argentina e Chile, sempre associada ao hantavírus Andes.
Diagnóstico
e tratamento
Diagnóstico Laboratorial Específico
Atualmente, os exames laboratoriais para
diagnóstico específico são realizados em laboratórios de referência. No Paraná,
é realizado pelo Laboratório Central do Estado (Lacen-PR).
• ELISA-IgM: cerca de 95% dos pacientes com
SCPH têm IgM detectável em amostra de soro coletada no início dos sintomas,
sendo, portanto, método efetivo para o diagnóstico de hantavirose. A coleta de
amostra deve ser feita logo após a suspeita do diagnóstico, pois o aparecimento
de anticorpos da classe IgM ocorre concomitante ao início dos sintomas e permanecem
na circulação até cerca de 60 dias após o início dos sintomas.
• Imunohistoquímica: técnica que identifica
antígenos específicos para hantavírus em fragmentos de órgãos. Particularmente
utilizada para o diagnóstico nos casos de óbitos, quando não foi possível a
realização do diagnóstico sorológico in vivo. Observe-se que quando o óbito é
recente possibilita a realização de exame sorológico (ELISA IgM), mediante coleta
de sangue do coração ou mesmo da veia.
• RT-PCR: método de diagnóstico molecular,
útil para identificar o vírus e seu genótipo, sendo considerado exame
complementar para fins de pesquisa.
Tratamento
Forma
prodrômica/inespecífica
O tratamento dos pacientes com formas leves
da SCPH é sintomático. A hidratação, quando necessária, deve ser cuidadosa para
evitar sobrecarga de volume. Rigoroso controle dos dados vitais dos parâmetros
hemodinâmicos e ventilatórios é exigido para evitar desencadeamento ou
agravamento do quadro cardiorrespiratório.
• SCPH: Nos pacientes com formas mais graves
e com piora dos parâmetros hemodinâmicos e ventilatórios, preconiza-se a
cuidadosa infusão endovenosa (EV) de líquidos, que, se excessiva, poderá
precipitar o edema pulmonar. O manejo adequado do aporte líquido é o principal
elemento terapêutico. O balanço hídrico é outro parâmetro de grande importância,
necessitando controle da diurese, com sondagem vesical (não obrigatória) e da
função renal. O volume de líquidos administrados EV deve ser suficiente para
manter a pré-carga e assegurar um fluxo plasmático renal adequado, mantendo
balanço hídrico negativo ou, pelo menos, igual a zero, para não aumentar o
edema pulmonar. Precocemente, drogas cardiotônicas vasoativas devem ser
introduzidas para manter as condições hemodinâmicas e prevenir o choque, como a
noradrenalina, que permite utilização em solução concentrada, possibilitando
baixo volume de infusão. Como segunda opção, deve ser utilizada a dopamina. A
dobutamina deve ser reservada para os casos refratários, em associação com mais
de uma droga vasoativa, quando há suspeita de queda do desempenho miocárdico,
visto que o seu emprego isolado, na vigência de hipotensão arterial severa,
pode precipitar arritmias cardíacas. Quando essas drogas não estiverem disponíveis,
a adrenalina e a fenilefrina são empregadas como drogas de segunda escolha. Nos
pacientes mais graves, há necessidade de suporte e monitorização hemodinâmica e
ventilatória de forma contínua. Nos pacientes que necessitarem de aporte de
oxigênio, esse deverá ser ministrado garantindo a saturação arterial de, pelo
menos, 90%. Nos casos com insuficiência respiratória leve e quadro clínico
estável, pode-se instituir a ventilação não invasiva precoce (BIPAP/CPAP). Os
pacientes com desconforto respiratório mais acentuado e os que apresentarem saturação
do O2 menor que 80%, com sinal de fadiga respiratória e radiografia de tórax compatível
com Síndrome da Angústia Respiratória do Adulto (SARA) grave, deverão ser atendidos
com assistência ventilatória invasiva (mecânica). Nessa condição, é necessário instituir
PEEP entre 10 e 18 cm de H2O, na tentativa de diminuir o edema e o risco de sangramento
pulmonar. A antibioticoterapia de espectro adequado deve ser instituída
precocemente, uma vez que outras infecções pulmonares graves, por germes
comunitários, incluindo os típicos, são diagnósticos diferenciais importantes.
Ela deverá ser suspensa quando for estabelecido o diagnóstico laboratorial de
SCPH, desde que não haja superinfecção secundária. Até o momento não existe
terapêutica antiviral comprovadamente eficaz contra a SCPH.
Prevenção
e controle
Antirratização
• Eliminar todos os resíduos, entulhos e
objetos inúteis que possam servir para abrigos, tocas e ninhos de roedores, bem
como reduzir suas fontes de água e alimento.
• Armazenar insumos e produtos agrícolas
(grãos, hortigranjeiros e frutas) em silos ou tulhas situados a uma distância
mínima de 30 metros do domicílio. O silo ou tulha deverá estar suspenso a uma
altura de 40cm do solo, com escada removível e ratoeiras dispostas em cada
suporte.
• Os produtos armazenados no interior dos
domicílios devem ser conservados em recipientes fechados e a 40cm do solo. Essa
altura é necessária para se realizar a limpeza com maior facilidade.
• Vedar fendas e quaisquer outras aberturas
com tamanho superior a 0,5cm, para evitar a entrada de roedores nos domicílios.
• Remover diariamente, no período noturno, as
sobras dos alimentos de animais domésticos.
• Caso não exista coleta regular, os lixos
orgânicos e inorgânicos devem ser enterrados separadamente, respeitando-se uma
distância mínima de 30 metros do domicílio e de fontes de água.
• Qualquer plantio deve sempre obedecer a uma
distância mínima de 50 metros do domicílio.
• O armazenamento em estabelecimentos
comerciais deve seguir as mesmas orientações para o armazenamento em domicílio
e em silos de maior porte.
• Em locais onde haja coleta de lixo
rotineira, os lixos orgânico e inorgânico devem ser acondicionados em latões
com tampa ou em sacos plásticos e mantidos sobre suporte a, pelo menos, 1,5
metro de altura do solo.
Referências
·
BRASIL, Ministério da Saúde/Secretaria de
Vigilância em Saúde/Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de
Vigilância Epidemiológica, 7ª Edição – Série A. Normas e Manuais Técnicos/Brasília,
2010.
·
C.R.Bonvicino, J. A Oliveira, P.S. D’Andrea. Guia dos Roedores do Brasil, com chaves para
gêneros baseados em caracteres externos. Rio de Janeiro: Centro
Pan-Americano de Febre Aftosa – OPAS/OMS, 2008.
·
FERREIRA,
Marcelo Simão. Hantaviruses. Revista
da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 36, n. 1, p. 81-96, 2003.
·
PETERS, C. J.; SIMPSON, G. L.; LEVY, H. Spectrum
of hantavirus infection: hemorrhagic fever with renal syndrome and hantavirus
pulmonary syndrome.Annual review of medicine, v. 50, p. 531-545, 1998.
·
FIGUEIREDO,
Luiz Tadeu M.; CAMPOS, Gelse Mazzoni; RODRIGUES, Fernando Bellissimo. Síndrome
pulmonar e cardiovascular por Hantavirus: aspectos epidemiológicos, clínicos,
do diagnóstico laboratorial e do tratamento. Rev
Soc Bras Med Trop, v. 34, n. 1, p. 13-23, 2001.
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