segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Anemia Falciforme Confere Tolerância à Malária

      A malária ou paludismo é uma doença infecciosa causada por protozoários parasitas do gênero Plasmodium, que são transmitidos através da picada do mosquito do gênero Anopheles. A doença é responsável por aproximadamente 250 milhões de casos e cerca de 1 milhão de mortes anuais, uma taxa só comparável à infecção por HIV. A malária é a principal parasitose tropical e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela mata uma criança africana a cada 30 segundos. Os  pacientes, quando não tratados rapidamente e de forma específica para as espécies causadoras da malária, podem desenvolver a forma grave da doença, denominada malária cerebral, e que é caracterizada por danos cerebrais oriundos da oclusão de vasos sanguíneos pelos eritrócitos infectados.

Fig1: Cérebro de uma Criança que morreu vítima de Malária Cerebral. Reparem nos danos e no quanto o cérebro está aumentado. Disponível em: http://www.impact-malaria.com/web/malaria_training/pathology, Acesso em: 20/01/2014.

     A anemia falciforme é uma doença genética recessiva que ocorre nas mesmas regiões onde é  alta a incidência de malária. Observa-se que indivíduos heterozigotos (com apenas um alelo mutado e o outro normal) possuem altas taxas de sobrevivência à malária, sendo portanto, parcialmente resistentes à infecção. Entretanto, os mecanismos que conferem tal resistência nos indivíduos portadores de traços falciformes ainda não estão completamente elucidados.




 Fig 2:Vale lembrar que indivíduos traço para Anemia Falciforme são ''normais'' , isso quer dizer que eles não apresentarão as características patológicas da doença, mas possuem o gene para a  doença. Disponível em: http://waggner7.wordpress.com/2010/07/05/anemia-falciforme-2/, Acesso em: 20/01/2014.

    


       Um grupo de pesquisadores europeus liderado pelo Prof. Miguel Soares demonstrou que animais que expressavam níveis não-patológicos da anemia falciforme não sucumbiam à malária cerebral experimental (MCE),  provavelmente porque a anemia falciforme humana ativa uma via de sinalização celular que impede o acúmulo de heme livre, dificultando, assim, a infecção pelo parasita. Este artigo apresenta uma nova visão sobre quais os possíveis mecanismos envolvidos nos indivíduos que possuem traços de anemia falciforme e que consequentemente apresentam maior tolerância à malária.
       

      No delineamento experimental, camundongos C57BL/6 (Hbwt) foram infectados com P. berghei (cepa ANKA) e desenvolveram sinais clínicos de MCE (Figura 1A). A incidência de MCE foi significativamente reduzida nos animais com o gene para anemia falciforme( indivíduos'' traço'') C57BL/6 (HbSAD) (Figura 1A), que expressaram níveis não-patológicos de anemia falciforme.  Camundongos HbSAD não desenvolveram características patológicas da malária cerebral, como destruição da barreira hematoencefálica  (Figura 1B), acúmulo de células vermelhas perivasculares no cérebro (Figura 1B) e edema cerebral (Figura 1C ).

 FIg 3 : HbSAD impede início da malária cerebral experimental (MCE).  Animais com traço falciforme HbSAD e infectados com MCE sobrevivem mais que os animais do grupo controle , possuem menor destruição da barreira hematoencefálica e menor porcentagem de edema.


     O mecanismo molecular relacionado com a resistência à malária por indivíduos que possuem traços de anemia falciforme parece envolver a indução da expressão da heme oxigenase-1 (HO-1) em células hematopoéticas, através de um mecanismo que envolve o fator de transcrição Nrf2 relacionado ao NF-E2 . O monóxido de carbono (CO), um subproduto do catabolismo do heme pela HO-1, impede o acúmulo adicional de heme livre após a infecção pelo plasmódio, reduzindo, assim, o desenvolvimento de  MCE.

      De acordo com o artigo The origin of malignant malaria, de Francisco Ayala, convivemos com a malária há mais de 5 mil anos. Infelizmente, na batalha contra esta doença o maior vitorioso ainda é o Plasmodium. Vários grupos de pesquisa vêm buscando uma vacina que possa  impedir que o parasita chegue ao fígado ou  até mesmo que mate o parasita no sangue.  Contudo, enquanto não encontramos uma alternativa eficaz para cura da malária , o melhor caminho apontado, ainda é investir no conhecimento das vias de sinalização que são alteradas em indivíduos resistentes à doença. Este artigo tem extrema relevância e pode ser muito interessante no delineamento de novos alvos terapêuticos, envolvendo a modulação da via HO-1/Nrf2, e que poderão ser testados contra as várias formas da infecção, inclusive a malária cerebral.

Referências:

VIEIRA, Luciele Bruno .Medicina Molecular. Faculdade de Medicina da UFMG. Anemia Falciforme Confere Resistência à Malária.  Disponível em:http://www.medicina.ufmg.br/inct/?p=2019, Acesso em: 20/01/2014.

Ferreira et al., 2011 Sickle Hemoglobin Confers Tolerance to Plasmodium Infection. Cell, Volume 145, Issue 3, 29 April 2011, Pages 398-409.
The origin of malignant malaria PNAS 2009 106 (35) 14902-14907
 


  


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