A malária ou paludismo é uma doença infecciosa causada por protozoários parasitas do gênero Plasmodium, que são transmitidos através da picada do mosquito do gênero Anopheles. A doença é responsável por aproximadamente 250 milhões de casos e cerca de 1 milhão de mortes anuais, uma taxa só comparável à infecção por HIV. A malária é a principal parasitose tropical e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ela mata uma criança africana a cada 30 segundos. Os pacientes, quando não tratados rapidamente e de forma específica para as espécies causadoras da malária, podem desenvolver a forma grave da doença, denominada malária cerebral, e que é caracterizada por danos cerebrais oriundos da oclusão de vasos sanguíneos pelos eritrócitos infectados.
A anemia falciforme é uma doença genética recessiva que ocorre nas mesmas regiões onde é alta a incidência de malária. Observa-se que indivíduos heterozigotos (com apenas um alelo mutado e o outro normal) possuem altas taxas de sobrevivência à malária, sendo portanto, parcialmente resistentes à infecção. Entretanto, os mecanismos que conferem tal resistência nos indivíduos portadores de traços falciformes ainda não estão completamente elucidados.
Um grupo de pesquisadores europeus liderado pelo
Prof. Miguel Soares demonstrou que animais que expressavam níveis
não-patológicos da anemia falciforme não sucumbiam à malária cerebral
experimental (MCE), provavelmente porque a anemia falciforme humana ativa
uma via de sinalização celular que impede o acúmulo de heme livre,
dificultando, assim, a infecção pelo parasita. Este artigo apresenta uma nova
visão sobre quais os possíveis mecanismos envolvidos nos indivíduos que possuem
traços de anemia falciforme e que consequentemente apresentam maior tolerância
à malária.
No delineamento experimental, camundongos
C57BL/6 (Hbwt) foram infectados com P. berghei (cepa ANKA) e desenvolveram
sinais clínicos de MCE (Figura 1A). A incidência de MCE foi significativamente
reduzida nos animais com o gene para anemia falciforme( indivíduos'' traço'')
C57BL/6 (HbSAD) (Figura 1A), que expressaram níveis não-patológicos de anemia
falciforme. Camundongos HbSAD não desenvolveram características
patológicas da malária cerebral, como destruição da barreira
hematoencefálica (Figura 1B), acúmulo de células vermelhas perivasculares
no cérebro (Figura 1B) e edema cerebral (Figura 1C ).
O mecanismo molecular relacionado com a resistência à malária por indivíduos que possuem traços de anemia falciforme parece envolver a indução da expressão da heme oxigenase-1 (HO-1) em células hematopoéticas, através de um mecanismo que envolve o fator de transcrição Nrf2 relacionado ao NF-E2 . O monóxido de carbono (CO), um subproduto do catabolismo do heme pela HO-1, impede o acúmulo adicional de heme livre após a infecção pelo plasmódio, reduzindo, assim, o desenvolvimento de MCE.
De acordo com o artigo The origin of malignant malaria, de Francisco Ayala, convivemos com a malária há mais de 5 mil anos. Infelizmente, na batalha contra esta doença o maior vitorioso ainda é o Plasmodium. Vários grupos de pesquisa vêm buscando uma vacina que possa impedir que o parasita chegue ao fígado ou até mesmo que mate o parasita no sangue. Contudo, enquanto não encontramos uma alternativa eficaz para cura da malária , o melhor caminho apontado, ainda é investir no conhecimento das vias de sinalização que são alteradas em indivíduos resistentes à doença. Este artigo tem extrema relevância e pode ser muito interessante no delineamento de novos alvos terapêuticos, envolvendo a modulação da via HO-1/Nrf2, e que poderão ser testados contra as várias formas da infecção, inclusive a malária cerebral.
Referências:
VIEIRA, Luciele Bruno .Medicina Molecular. Faculdade de Medicina da UFMG. Anemia Falciforme Confere Resistência à Malária. Disponível em:http://www.medicina.ufmg.br/inct/?p=2019, Acesso em: 20/01/2014.
Ferreira et al., 2011 Sickle Hemoglobin Confers Tolerance to Plasmodium Infection. Cell, Volume 145, Issue 3, 29 April 2011, Pages 398-409.
The origin of malignant malaria PNAS 2009 106 (35) 14902-14907
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